12 de nov. de 2020

Crônica - E chegou Finados

 E chegou Finados. Neste ano, não fui ao cemitério. Para muitos, este lugar não quer dizer nada. Não estão lá. Eu gosto de tradições, de simbolismos, de momentos. Nas rememorações encontramos sentido. Em casa, como exige o protocolo do Covid 19, criei meu canto de reflexão, na penumbra das sombras, no contraponto da luz que alumia. Deixei as janelas fechadas, num mundo particular, era o meu silêncio. Pensar a vida da minha ancestralidade, nos pedaços que me formam, que me fazem discernir, ter escolhas, amar, buscar. A vela, ganhei da amiga mineira Maria de Lourdes Caixeta, em Belo Horizonte. Tem o aroma que perfuma o ambiente, presença de vida, foi o que pensei. Já disse uma vez, que na missa, tanto na oração pelos vivos, quanto aos mortos, em minha mente passa um “drone”, lembrando-me dos amigos “faceboquianos” de Norte a Sul, Leste a Oeste e minhas preces plasmam a amizade de pertença, mesmo ao longe. Ontem não foi diferente. Tinha tempo. Isolada, pensava, orava. Não, eu não estava só. Meu pensamento ia além paredes. Rostos amigos o recebia. Teria também, alguém pensando em mim, em fração de segundos, me conectando com o mundo. Creio eu. Pensamentos não se estancam em nós mesmos, quando abrimos veios, onde escorrem vontades, conexão e sonhos, na harmonização da existência.

Ah, sonhos...e veio a dor das ausências... Tanta tristeza! Nas estatísticas: pessoas, gente, vida, amigos de perto, de longe, em outra dimensão. Fizeram a passagem. Os desconhecidos foram se achegando na mesma intensidade da perda. Sofreguidão. Na imagem do crucifixo, rodeado por Marias, olhando para a cruz, simbolizei os pais chorando pelos filhos. Filhos chorando pelos pais, de pé. E na comunhão dos santos, todos os sentidos marejados. A universalidade da dor, a cor dos olhos tristes, a lágrima salgada, correndo paras os lábios amargos da incompreensão desolada, da saudade infinda. O grito embargado. Não banalizei a morte. Não, não é normal. O não sabido nos aterroriza, mas alavanca pesquisas, soluções. O não sabido é semeadura das transformações, pilares edificados nas incertezas, nos pés caminhando em chão de propósitos.
Mas, havia a luz, sim havia. Queimou o dia todo expandindo vibrações na dança das chamas: alaranjada, rubra, amarelo suave. Vesti-me de paz, de solidariedade. Calcei o sapato do outro, na empatia de querer estar junto, ainda que não consiga mensurar o aperto dos calos da alma. Experiências são intransferíveis. Eu as ofereci a Deus. O que mais poderia fazer? Abracei nas preces, no respeito, no desejo de um fim, ainda perdido no horizonte, mas a esperança hiberna no inverno e floresce na primavera da fé. A cura virá, virá...o mundo gira...Deus nos deu talentos, sabedoria...a Criação continua... e viu que era bom...
Olynda Bassan
Membro da Academia Bauruense de Letras
Você, Ana Maria Barbosa Machado, Jaqueline Rodrigues Mendes e outras 100 pessoas
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