Nas viagens de turismo nos extasiamos ao visitar igrejas e mais igrejas,
museus, castelos, praças... Porém, no cotidiano não olhamos para o espaço no
qual pisamos. Não percebemos a história
do lugar que nos acolhe. O olhar está sempre distante... Por tantas vezes caminhei pelas ruas do bairro
da Liberdade. Transitei pela praça João
Mendes e apenas passava... Observo a
arquitetura dos prédios comerciais e das igrejas. Coloco minha bolsa colada ao
corpo e me admiro com o estilo barroco, neo clássico... Verdadeira relíquia arquitetônica da arte
brasileira, ainda com influência europeia. Nesta quinta- feira subi as escadas de uma pequena igreja para rezar. Que surpresa! Eu me senti num
pedacinho de Minas com sua arte barroca, em meio à Liberdade nipônica. Uma igreja linda,
aconchegante, com altares e portais, todos trabalhados em madeira de branco
leitoso e tons dourados. Igreja São
Miguel Arcanjo. Se enxergássemos mais a cidade sentiríamos sua arte, sua voz, sua
beleza camuflada nos ruídos, na pressa,
na poluição visual e climática. Esta igreja não será mais esquecida por mim.
Redescubro São Paulo em pedaços de sua vida.
Do outro lado da rua a majestosa Catedral da
Sé com sua pompa e história centenária. No pátio ornamentado com palmeiras
imperiais, esculturas, vou abrindo
caminho nas escadarias repletas de
mendigos, “drogaditos” esparramados pelo
chão, com mãos sem força, estiradas à procura de moedas, de migalhas que caem
da mesa do banquete. Entro na Sé para
rezar, vivenciar meu diálogo com Deus no louvor, na gratidão, no perdão e por
que não na petição. Cristo mesmo nos
disse que pedíssemos. Ao sair vem o
paradoxo: a ação da Fé. A minha
impotência diante das mazelas do mundo. Como cristã, ou como simplesmente
cidadã não posso olhar e não sentir
compaixão. Mas teria que ir além de sentimentos. Até aonde vai a minha culpa na omissão em
transformar uma realidade lastimável. Rezo e não me curvo ao próximo que sofre.
São homens, mulheres da rua, sem identidades. Reflito ainda sobre o contraste
da alegria ou pelo menos esperança do artista de rua, com sua flauta peruana
enchendo o ar com sua melodia suave, encantadora! O cantor sertanejo vestido com traia de cowboy, com música raiz, ou de dor de cotovelo se faz
ouvir. Bem diante deles corpos inertes que morreram à vida, antes mesmo de se
transformarem em outra dimensão. Para eles, adormecidos, a música, o belo não tocam, não tem encantamento. Não se inebriam com a melodia no seu estado de inconsciência. Não
percebem a luz ofuscante do sol, nem a
suavidade do luar. Olhos cerrados, baços, sem lavar. Envelopes
de almas, com seus desejos e individuação roubados pela droga, por
desalentos do desamparo, da falta de perspectivas no viver. Olhares vagos,
disformes. Sorrisos sem alegria, como se espasmos fossem de um estado de
delírio, de decadência da dignidade humana. Não, ali não está a Maria, a
Franklin, a Rosineia, o Paulo, o Antonio. Saíram de si mesmos, não se
reconhecem mais. São números de estatísticas dos Projetos Sociais, do banco de dados do Estado, ou das
Casas de apoio. São “inúmeros” .
Eu me apoio na palmeira imperial e tristemente penso nestes “cristos’
sem manjedouras acolhedoras. Estão à beira da cruz sem a mãe Maria, sem o amigo
João, ao pé da cruz, dizendo estamos aqui. Mesmo que eu quisesse meus dedos não
conseguiriam entrelaçar os seus. Os meus enrijecidos pela impotência de
levantá-los da postergação em que se encontram. Seria possível a interação com
esta jovem que se arrasta envolta em cobertores sujos, como o mundo que a
envolve? Eles, com dedos endurecidos como a alma mergulhada na escuridão, de
uma vida que se finda na insensibilidade humana, na omissão dos projetos do
Estado, na desestrutura familiar. Na
ganância desumana do narcotráfico.Do meu engajamento social.
Um dia... nasceram “anjos”: pacotinhos
azuis, rosas, no afeto de colos de mães esperançosas, com sorrisos de
felicidade. Outros já nasceram com a herança do craque, do desequilíbrio de
morte anunciada. Que vida é esta que se transforma numa aventura tão perigosa à
margem da estrada, dos que têm oportunidade de sonhar?
Que esperança tenho, que haja um
interesse pelas Universidades em parcerias com Entidades de Bem Estar em
estudar o fenômeno das drogas no seu caráter sociológico, psicológico,
antropológico, já que as iniciativas do Governo estão falidas. Olhá-los como
pessoas, com alma e vontades. São andarilhos sem caminhos... nem idas, nem vindas.
Passei...vi...senti...e me distanciei...
Apenas mais um olhar, entre tantos e o balançar da cabeça... uma lágrima...quem sabe? Na próxima viagem por
certo os encontrarei, nos olhares distantes...