4 de fev. de 2015

Olhares distantes





               

                                     

 Igreja São Miguel Arcanjo

 Praça João Mendes- São Paulo





                           



                                          Olhares  distantes...




     Nas viagens de turismo  nos   extasiamos ao visitar igrejas e mais igrejas, museus, castelos, praças... Porém, no cotidiano não olhamos para o espaço no qual pisamos. Não percebemos  a história do lugar que nos acolhe. O olhar está sempre distante...  Por tantas vezes caminhei pelas ruas do bairro da Liberdade.  Transitei pela  praça  João Mendes e apenas passava... Observo  a arquitetura dos prédios comerciais e das igrejas. Coloco minha bolsa colada ao corpo e me admiro com o estilo barroco, neo clássico...  Verdadeira relíquia arquitetônica da arte brasileira, ainda com influência europeia. Nesta quinta- feira  subi as escadas de uma pequena igreja  para rezar. Que surpresa! Eu me senti num pedacinho de Minas com sua arte barroca, em meio  à Liberdade nipônica. Uma igreja linda, aconchegante, com altares e portais, todos trabalhados em madeira de branco leitoso  e tons dourados. Igreja São Miguel Arcanjo. Se enxergássemos mais a  cidade sentiríamos sua arte, sua voz, sua beleza camuflada  nos ruídos, na pressa, na poluição visual e climática. Esta igreja não será mais esquecida por mim. Redescubro São Paulo em pedaços de sua vida.
    Do outro lado da rua a majestosa Catedral da Sé com sua pompa e história centenária. No pátio ornamentado com palmeiras imperiais, esculturas, vou  abrindo caminho nas  escadarias repletas de mendigos, “drogaditos”  esparramados pelo chão, com mãos sem força, estiradas à procura de moedas, de migalhas que caem da mesa do banquete. Entro  na Sé para rezar, vivenciar meu diálogo com Deus no louvor, na gratidão, no perdão e por que não na petição.  Cristo mesmo nos disse que pedíssemos. Ao sair  vem o paradoxo: a  ação da Fé. A minha impotência diante das mazelas do mundo. Como cristã, ou como simplesmente cidadã  não posso olhar e não sentir compaixão. Mas teria que ir além de sentimentos.  Até aonde vai a minha culpa na omissão em transformar uma realidade lastimável. Rezo e não me curvo ao próximo que sofre.  São homens, mulheres da rua, sem  identidades. Reflito ainda sobre o contraste da alegria ou pelo menos esperança do artista de rua, com sua flauta peruana enchendo o ar com sua melodia suave, encantadora!  O  cantor sertanejo vestido com traia de cowboy,  com música raiz, ou de dor de cotovelo se faz ouvir. Bem diante deles corpos inertes que  morreram à vida, antes mesmo de se transformarem em outra dimensão. Para eles, adormecidos, a música, o belo  não tocam, não tem encantamento.  Não se inebriam com a  melodia no seu estado de inconsciência. Não percebem  a luz ofuscante do sol, nem a suavidade do luar. Olhos cerrados, baços, sem lavar.  Envelopes  de almas, com seus desejos e individuação roubados pela droga, por desalentos do desamparo, da falta de perspectivas no viver. Olhares vagos, disformes. Sorrisos sem alegria, como se espasmos fossem de um estado de delírio, de decadência da dignidade humana. Não, ali não está a Maria, a Franklin, a Rosineia, o Paulo, o Antonio. Saíram de si mesmos, não se reconhecem mais. São números de estatísticas dos Projetos  Sociais, do banco de dados do Estado, ou das Casas de apoio. São “inúmeros” .
    Eu me apoio na palmeira  imperial e tristemente penso nestes “cristos’ sem manjedouras acolhedoras. Estão à beira da cruz sem a mãe Maria, sem o amigo João, ao pé da cruz, dizendo estamos aqui. Mesmo que eu quisesse meus dedos não conseguiriam entrelaçar os seus. Os meus enrijecidos pela impotência de levantá-los da postergação em que se encontram. Seria possível a interação com esta jovem que se arrasta envolta em cobertores sujos, como o mundo que a envolve? Eles, com dedos endurecidos como a alma mergulhada na escuridão, de uma vida que se finda na insensibilidade humana, na omissão dos projetos do Estado,  na desestrutura familiar. Na ganância desumana do narcotráfico.Do meu engajamento social.
      Um dia... nasceram “anjos”: pacotinhos azuis, rosas, no afeto de colos de mães esperançosas, com sorrisos de felicidade. Outros já nasceram com a herança do craque, do desequilíbrio de morte anunciada. Que vida é esta que se transforma numa aventura tão perigosa à margem da estrada, dos que têm oportunidade de sonhar?
     Que esperança tenho,  que haja um interesse pelas Universidades em parcerias com Entidades de Bem Estar em estudar o fenômeno das drogas no seu caráter sociológico, psicológico, antropológico, já que as iniciativas do Governo estão falidas. Olhá-los como pessoas, com alma e vontades. São andarilhos sem caminhos...  nem idas, nem vindas.

      Passei...vi...senti...e me distanciei... Apenas mais um olhar, entre tantos e o balançar da cabeça... uma  lágrima...quem sabe? Na próxima viagem por certo os encontrarei, nos olhares distantes...