6 de out. de 2020

Na música, minha homenagem, pai

 Participei da Oficina Literária coordenada pelo Expressão Poética em parceria com a SAC. Colhemos bons frutos nos encontros ministrados pelo jornalista, professor Lauro Neto. Muuuito Bom!!! Incentivo à leitura e à escrita. Grata. Que venham outras.

Um dos exercícios, era criar textos, ouvindo músicas direcionadas. Foram 4. Nesta, prestei homenagem ao meu pai- José Bassan Filho, aniversariante . Está vivo em nossa alma, mesmo em outra dimensão. Ore por nós, pai querido. A família Bassan o enxerga pelos vãos da saudade e gratidão
Olynda Bassan: Dorival, meu amigo, diz que a música é perigosa. Ela nos seduz, tira do chão, nos transporta para outros mundos mágicos, ilusionistas. Ouvir a quarta ária de Bah, eleva-me aos céus. Imagino o Teatro Municipal repleto de personagens inebriados pelos acordes da Orquestra. A batuta do maestro bailando no ar, umedecendo os olhos de senhoras sonhadoras nas lembranças dos seus 18 anos. De olhares perdidos pela janela, do primeiro encontro. Sonhos vividos em amores intensos. Viagens nas ondas rendadas de um mar dourado, na espera do luar. O corpo de baile garrido voando em asas de pássaros. Silêncio, apenas notas, compassos e som. Eu, abraçada com o meu par, dançando de olhos fechados rodopiando pelo salão imaginário. Sonho de bailarina. Os holofotes iluminando o pianista solista.
No solo do piano, minhas reminiscências. Viajo ao melancólico cair da tarde, lá em Gália, minha cidade Natal.
Rua São Jose era a minha rua. No inverno, à noite, íamos gelando, gelando quando retornávamos do cinema. Perto da minha casa passava o Rio das Antas, fazendo cair a temperatura. Lendário rio de nossas vidas.
Meu pai labutava no sitio o dia todo. Da cidade ia bem cedinho no seu cavalo baio, no movimento das nuvens, com o seu cachorro na garupa. Era folclórica a cena. Todos saudavam o sr. José Bassan e o Brinquedo.
No quase poente, voltava, tomava seu banho, se perfumava e esperava o jantar, sentado na espreguiçadeira, rodeado das samambaias de minha mãe. Como uma renda descia o verde pelas paredes sombrias. No som do tic-tac do relógio coordenava seu descanso. Em uma melodia infinda, num trinado de um pássaro, assoviava os cantos de sua vida na fazenda. Cantoria dos violeiros nos terreiros de café aquecidos na chama da fogueira. O som ecoava pelos arredores do terraço, orquestrando aquele espaço da rua São José. Era o músico solitário, no seu palco, sem aplausos.
Tínhamos como vizinho, um menino de 7 anos, com um tumor incurável na cabeça. Era um querido. Do seu leito ouvia o assovio do seu José e sorria.
Em um tardio dia de esperança, foi vencido pela doença e o nosso Ruizinho foi morar em outra dimensão, ouvindo sons angelicais, como se fosse um concerto no Teatro Municipal.
A irmã, Maria Aparecida, no final de tarde, se assentava na penumbra do seu terraço, nos últimos raios já de esmaecidos dourados, para fazer memória do irmão, na melodia do meu pai. Um lágrima salgada libertava-se até os doces lábios que tremiam, querendo sorrir e chorar. Era saudade.
Ouvindo os acordes da orquestra, na junção harmoniosa, minha alma encontrou-se na recordação do trinado longínquo do meu saudoso pai.
Seu rosto sereno, de dever cumprido, com calos na mão rústica e áspera encerrava seu dia na sensibilidade da música. Falava do seu coração, ao nosso.
O poente nunca mais foi o mesmo sem o assobio do seu José. Nosso solista.
Ele também um dia se foi...resta sua melodia - nosso tesouro no baú da lembranças.
Olynda Bassan Bauru, 15/07/2020
Gnossienne No. 1 ( Lent ) Erik Satie

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