3 de abr. de 2018

Resenha - Livro " Nem Jesus sabia"



                                        Resenha


Amigo escritor Paulino, apenas considerações como leitora.



De Paulino Vergetti Neto “ Nem Jesus sabia”.
Durante a leitura fui analisando, qual seria o objeto do autor, por detrás das palavras e uma ideia foi tomando corpo. Ao fechar o livro, bati o martelo – CRITICIDADE. Este é a fio de ouro do enredo do “ Nem Jesus Sabia.”
É preciso entender o alto nível de criticidade que o livro contém em seu miolo. Do contrário, poderão nos escandalizar as denúncias proferidas, a linguagem nua e crua na voz das personagens. O autor não tem papas na língua, dentro de um contexto de exasperação. Pudera! No auge de seus 110 anos, Jesus se expressa sem censura, pelos amores prazeres, decepções, indignações , frustações estocados pelo ego.
O livro é metáfora da vida. Cenas do cotidiano. O autor cria uma trama tecida com o nome Jesus do personagem e a imagem do Jesus Cristo Sacramentado. É seu propósito criar situações inusitadas, dúbias que passam a acontecer no meio do povo fanático, simples e que faz do imaginário a sua realidade. Boatos põem o lugarejo em polvorosa. Já teria sido antecipada a volta do Jesus, o Nazareno? E Jesus, cidadão comum, se aprisiona no medo da confusão estabelecida. Adeus liberdade do ir e vir. Como enfrentar uma população que busca milagres, em um Jesus que nem santo é? Muito pelo contrário.
Neste jogo interessante, o livro carrega reflexões profundas. Critica os comportamentos paradoxais do ser humano, conforme seus interesses. Valores e ética são relativos, quando o econômico, o fanatismo se tornam essenciais.
O autor faz crítica contundente à hierarquia das “religiões”, como instituição. À “religião” quanto ao poder, ganância e manipulação em várias estâncias. Há muitas “religiões” e crenças. Em metáfora, o autor se refere às igrejas confessionais, à religião idolatrada do capitalismo, das finanças - a religião das autarquias, da administração, do governo, das classes que subjugam o garçom, o porteiro, o pedinte, entre outros - dos que usam da propina, da corrupção tanto quanto o alto escalão. A lei de Gerson que é uma ave de rapina, no desrespeito aos direitos do semelhante. Consiste em uma crítica ao macro sistema e não à individualidade desta ou daquela seita ou igreja. São personagens criadas na universalidade da fraqueza humana, dos vícios rançosos de comportamentos. Perpassa pelo vício da bebida, ruína de famílias inteiras. Ah, seu eterno amor era vítima desse infortúnio. Tinha pena, muita pena...
É ferrenho como denunciante dos manipuladores do povo em suas crenças, na sua boa Fé. Vendem a “ torta do céu” , como se fossem criadores. Na ignorância, de quem é, de sua grandeza, essa gente esperançosa, não percebe ser usada como manobra do poder do dinheiro, do status, em nome de Deus. Espiritualidade? Amor na essência da palavra? Não consta do dicionário.
O autor se coloca em provocações inusitadas, descrevendo até onde o fanatismo torna um povo escravo, alienado, alucinado. E as seitas se multiplicam, os falsos milagres se propagam, bem longe da veracidade. Fanatismo vegetativo como um grão de mostarda - se agiganta.
Não só de crítica e de denúncia é feito o enredo. Tem passagens lindas, retratando a bonita e fiel amizade entre Jesus ( personagem) e o seu amigo Sebastião. Amizade cúmplice, de pertença, até debaixo d’ água. E aí o autor vai fundo na bênção que é ter um amigo, como escudeiro.
Tem sempre alguém nomeando o autor como “ poeta do amor”. Imagina, então, contando do amor infindo e infinito de Jesus ( personagem). Um amor guardado do “lado esquerdo do peito” por anos, anos e anos, pois o personagem morre aos 110 anos e não se esqueceu de sua Rute, nem por um segundo. Amada e esperada desde sua pré - adolescência, no fervilhar dos hormônios. Nunca a teve para si. Ao contrário de seus amigos... Amor inatingível, sem a plenitude na entrega. Por timidez, por respeito? Falta de iniciativa? Deixou passar?
Até nessa longevidade, o autor nos faz refletir sobre o que é velho e o que é ser idoso. Jesus nunca foi velho. Sonhou, construiu até que o último suspiro o levasse à dimensão superior.
Ao mesmo tempo que Jesus sente imensa ternura por Rute, sendo seu poema e sua poesia, tem sua mente prenhe de raiva, de desjo, de desamparo na vida que se esvazia. Escreve, escreve, como catarse pela espera do seu grande amor pela janela da saudade, pela dor do que não fez acontecer. Uma personagem ávido de viver, com alma jovem, num corpo que se aniquila. Não pode aceitar e se exaspera, não com as pessoas, mas com o mundo inaudível dos sons do prazer. Não sossega sua libido e sofre e faz soar palavrões em alto e bom som. Afinal, pela idade se dá o direito de se expressar como bem entender. E quase sempre se arrepende, pois é um homem bom. Sinto nesta atitude do ancião, também um dedo do autor. Ele deve ser educado, gentil, ter bons modos? Politicamente correto?
E nessa obsessão pela sua Rute, o seu sonho se faz real. Tem cores, sabores de pele e sons. Não é vazio - tem história e é antiga. Ele sente sua Rute, como se fosse bolha de sabão úmida, roçando seu rosto e num instante ele a sugaria em suas entranhas. Num “ploft”, ela se romperia e sua Rute se agasalharia em seus braços saudosos. Enfim, seu amor consumado. Valeu a espera.
Eu vejo também, a personagem Rute, como uma alegoria. É o símbolo do apego de Jesus à vida. Ele não partiria, enquanto ela não chegasse. Alimenta-se dessa esperança, de sua materialidade de um dia. E por esta paixão e pela paixão à Literatura, o autor fala do amor e arranca emoções. As mais contidas.
Parabéns, querido escritor e amigo Paulino. Mais uma obra, mais reflexões sobre a vida, nas entrelinhas. Sua arma é a palavra.
Olynda Bassan Franco

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