3 de abr. de 2018

História de Família


             História da Família Bassan, a minha.


          Aroma de café, cheiro das raízes de minha história.
Distraidamente, pensando nem sei em quê, percebo o desenho formado pelo pó, na parede do coador de pano. A procedência do café – Minas Gerais.
Faço resgaste da memória gravada, das histórias ouvidas, num momento de melancolia repleta de saudade. Meu avô, Giuseppe Ângelo Bassan, imigrante italiano da região de Vêneto, desembarcara em Espirito Santo, com a nona, Líbera, (mulher forte, séria, corajosa) filhos e irmãos, em 6/01/1895. Não puderam fundear em Santos, porque São Paulo vivia um momento delicado com uma peste assolando o território. Foram, a princípio, para Minas Gerais. Só depois para o Estado de São Paulo, região de Bocaina. Os desafios estavam só começando. Traziam em seus sapatos fragmentos de um lugar tão distante. O mar era o campo verde, que sequer imaginavam a imensidão.
Deixaram a Itália com sua arquitetura, suas DOMOS majestosas, Cultura, História para se reinventarem em terras desconhecidas, repletos de promessas, para si mesmos. Arregaçaram as mangas e a vontade, engoliram a saudade e desbravaram terras, arrancaram toras, plantaram, construíram casas de taipas, com ferramentas rudimentares. Meus avós não frequentaram as Universidades, mas trouxeram em meio aos seus pertences, uma mala de livros. Gesto admirável de meus antepassados – simples, pobres, mas leitores.
Por certo, o meu avô Giuseppe, (eu o conheci como José) além de ser um homem esbelto, bonito, tinha a sua Cultura e era um empreendedor. De colono imigrante tornou-se fazendeiro, assim como os seus filhos. Meu pai nasceu no Brasil. Havia partilha dos bens, haja vista que os empregados da fazenda, um dia, ganharam o mundo e compraram sua gleba de terra.
Fiquei encantada! Caprichosamente, o desenho formado no coador era uma colmeia com tons dourados, azuis, abóbora... vários tons e cavidades disformes. As borbulhas do café foram se aconchegando no tecido, como sonhos procurando pouso. Os dos Bassans, foi o que pensei.
Imagino, assim como as abelhas, o quanto minha família trabalhou nessa colmeia brasileira. Formavam uma comunidade com objetivos em comum, retirando o sustento da terra, no néctar das flores do cafezal, como borboletas incansáveis. Polarizavam a lavoura que se expandia. Viviam em Colônia. Uma casa próxima à outra, tecendo uma rede de proteção e partilha. Na multiplicação dos pães, todos se saciavam, apesar da saudade da querida Itália, dos enigmas da nova Pátria. Era o desvelar do desconhecido, no poder da Fé. Rezavam, e como rezavam. No centro, o terreiro de café, onde também dançavam até o Sol querer acordar.
No passo lento do cavalo, puxando o arado - era a vida que se seguia. Nos sulcos da terra, se depositava a esperança verdejante para que outros pudessem sonhar a partir dos alicerces bem planejados por esta geração de aventureiros. Eu estaria, nesta linhagem.
A fumaça do café foi a companheira de tantas madrugadas, de tantas refeições embaixo das árvores, dos pés da café, de parola da caminhada de valentes. Tantos compadres acolhidos no véu do café, que se dissipava no Universo da amizade, pela chaminé. O café é a nossa raiz onde os pés se encardiram, criaram pele grossa para enfrentar os invernos da alma e da grama congelada. Na mão rústica, áspera da lida, se aninhava o amor. Eles amavam o Brasil e os brasileiros! Meu pai admirava os nordestinos que construíam São Paulo, em situações precárias. Ele dizia “eles sim são fortes. Nós comemos puenta con polastro, eles dão o sangue comendo farinha e rapadura”. É... era o respeito correndo nas veias do seu José.
Nossos sonhos de criança, de juventude giravam em torno desta riqueza vermelha, doce e negra. Um ano chovia muito na florada, melava e o fruto não vinha. No outro ano a geada castigava, aniquilando a lavoura. Não se tinha dinheiro pra muita coisa. A tristeza de uns era a alegria de outros, infelizmente. Geava no Paraná, subia o preço do café. A alegria era geral. A conta do Banco era suficiente para pagar os empréstimos e comprar as peças de tecido para as roupas da família. 
Para quem viveu a experiência, do que é amar a terra - que sentiu o aroma e a beleza das flores brancas e delicadas do poema chamado cafezal – o gosto da polpa da cereja - o café - não é um simples cafezinho. É História, história, estória, lembranças, gratidão aos antepassados que vieram além Mar, para que eu nascesse em uma família que me enchesse de ternura, de emoção ao dizer seu nome: Bassan. 
Quando estive em Veneza, a emoção era minha alma. Estava no porto por onde zarpou o embrião de minha existência, singrando pelo Mar Adriático, Mediterrâneo e por fim Oceano Atlântico. Difícil travessia. Os Bassans moravam a 30 km. de Veneza. Em Cavarsere Bassano del Grapa. A melhor Grapa da Itália.)
Hoje meu café teve o sabor que a minha alma quis ter. Deixei que ela se degustasse no sentido desta crônica. Ela me lê.

Olynda

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