1 de mar. de 2017

Um homem e um Carnaval



                                                        

                         Um Homem e um Carnaval!

São quatro horas da madrugada desta quarta-feira de Cinzas, primeiro de março de 2017. Inspirado, após passar o período momesco recluso em meus estudos habituais, resolvi pôr em prática o que aprendi com esses dias de quase absoluto silêncio, descobrindo a outra face da vida, onde nem sempre entendemos ou sabemos lidar.
Pensei bastante na imensidão de pessoas que não puderam sequer sorrir. Os pacientes terminais, abandonados nos leitos mal tratados dos hospitais públicos, carentes de homens e de almas. Apenas quem conviveu ou convive com esse cenário desolador, pode maturar melhor sua concepção de vida e de morte, essa finitude parcial que quase incompreendemos fora da fé.
Meu carnaval me pôs em um silêncio confortável e por isso resolvi aprender mais com os erros que cometi no passado e nos que poderão encontrar minhas fraquezas, doravante. Esforçar-me-ei para que não me encontrem. Preciso melhorar para entender ainda mais a vida e a morte, não como coisas banais, passageiras, que não possuem em si uma barulhenta explicação, um extraordinário convencimento, mas como coisas necessárias e pertinentes à própria evolução da alma humana.
Gosto demais de estudar a história de Deus e do homem. Às vezes procuro e acho atalhos que me fazem atravessar com melhor entendimento, ensinamentos bíblicos, feitos por homens inspirados neles mesmos. Felizmente são poucos. É complicado reproduzir aqui neste artigo, o que minha consciência mastigou e deglutiu nesses dias que me refiro neste artigo. Dias de profundo enriquecimento espiritual. É justamente nesses períodos onde encontro a melhor face de Deus, a olhar-me carinhosamente e me mostrar veredas e estradas imensas. Ele parece querer dizer-me que há horas para se andar nas veredas e outras para se andar nas vastas estradas do mundo. Concordo.
Ouço Noturno, de Chopin, esse outro deus que conheci ainda criança. Noturno tem o poder de transportar-me para paraísos cada vez mais próximos de Deus. Que bom! Meu amigo, Noturno, revelando as coisas boas que a vida me mostra sobre ela mesma e sobre a morte. Chopin é mesmo genial.
Preparo-me para mais alguns poucos anos de vida, mas me esperanço em tê-los em muita sobra, em real abundância. Limitado, após dois infartos do miocárdio e com apenas onze por cento da função cardíaca a manter-me vivo, não posso pular nos salões enfeitados dos carnavais da vida, mas posso transformar-me em um Pierrô pensante. A Colombina se afastou, a vida tornou-se menos movimentada com o fisicamente admirável, mas o espírito está sempre em exaltação nas procuras mais essenciais a um homem comum que encontrou o significado da vida e da morte e que se encontra pronto para partir, apesar de não querê-lo. Quem quer?
É preciso que se construa uma fé admirável e uma obra consistente. A primeira, tenho a certeza que encontrei. A segunda, dirão ou não de mim, sobre mim, os que me sucederem. Tentei ser bom. Como sempre disse, poderia ter nascido velhinho para morrer criança, nos braços de minha mãe. Mas, com o tempo aprendi que a vida é perfeita. Tanto que nos deu a morte, como ponte, para passarmos para outra dimensão. Já pensaram se vivêssemos eternamente velhos e envelhecidos? Que horror seria a vida.
Pois bem. O carnaval me deu carnavais dentro de um silêncio fabuloso. A única música que me dispus a ouvir foi Noturno. As outras me impuseram goela abaixo, nos pequeninos instantes que saí à farmácia ou à padaria para comprar o absolutamente necessário.
E hoje à tarde, quando voltar para detrás do birô de médico e fazedor de amigos, deverei pôr em prática o que aprendi com Deus e meu silêncio. Ainda saio dele com o poder do perdão, rarefeito. Tentei passar uma esponja em algumas coisas que persistiram em ficar. Tem nada não. Haverá outro silêncio mais forte e apagarei o resto que não consegui desta vez. Ficaria sem graça resolver tudo em apenas quatro dias. A vida é dinâmica demais para estabelecermos uma semana para sanar nossas faltas.
Findo por aqui. O salão está vazio. Há um enorme silêncio na rua à frente do quinto andar do prédio onde moro. O dia já clareou. Um vento frio me traz Deus e me pede para sair dessa cena e entrar em outra. Há muitos seres pobres e miseráveis esperando por mim, por meus cuidados profissionais, e, mais do que isso, pelo meu amor, enquanto ser humano que se prontificou a doar-se aos doentes, sem olhar sexo ou condição social, a ver o tamanho desigual que possui cada sofrimento especial. Quatrocentos quilômetros me separam do ambulatório.
Enfim, valeu a pena ser esse Pierrô diferente que se debruçou sobre as coisas que preenchem a vida e a morte. Agora é ir. Espero ter inúmeros Carnavais. Quem sabe ainda não irei visitar Papai Noel na lapônia? Tomara, Deus meu. És misericordioso demais para me presentear com coisas maravilhosas.
Paulino Vergetti Neto

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