Mãe Sementeira
No subúrbio da cidade a
mãe se levanta junto com o Sol que doura o mundo, e dele suga a energia para pisar
o seu chão duro. Em sonho, areia fofa e
morna.
Na folhinha pendurada na parede descascada da cozinha, com sua velha caneta, os dias são riscados um a um. Seria mais um dia, ou menos um? Distraída da vida, com a xícara de café e a fatia de queijo. a mulher olha pela janela. Nos olhos, a chuva mansa da saudade, escorre em oração. A mãe fixa o infinito como se não houvesse nada além dela. Cristalizado em seu olhar está o dourado da medalha reluzente sobre peito do filho. No amor gerado no primeiro útero, a mãe enxerga o invisível e espera...espera...
Em suas idas e infindas vindas ao portão da casa, a mãe assola a terra, pisoteia a grama como se fosse uvas no preparo do vinho festivo, celebrando a partida da ausência, que a contorcia em prantos.
Na folhinha pendurada na parede descascada da cozinha, com sua velha caneta, os dias são riscados um a um. Seria mais um dia, ou menos um? Distraída da vida, com a xícara de café e a fatia de queijo. a mulher olha pela janela. Nos olhos, a chuva mansa da saudade, escorre em oração. A mãe fixa o infinito como se não houvesse nada além dela. Cristalizado em seu olhar está o dourado da medalha reluzente sobre peito do filho. No amor gerado no primeiro útero, a mãe enxerga o invisível e espera...espera...
Em suas idas e infindas vindas ao portão da casa, a mãe assola a terra, pisoteia a grama como se fosse uvas no preparo do vinho festivo, celebrando a partida da ausência, que a contorcia em prantos.
No sorriso da alma, a mãe planta, semeia
flores; decora o caminho.
Hoje, as flores perfumam a prece.
Hoje, as flores perfumam a prece.
A
mãe inicia um outro caminho em direção à
Catedral, de sacristia com móveis escuros guardando as vestes sagradas. Ela
cuida e enxerga em cada detalhe um símbolo da Liturgia do Amor. Acaricia o tecido da manga, como se a
sentisse entrelaçada num abraço de memórias e reencontro. Abre uma portinhola,
vislumbra o ouro e se imagina bebendo o vinho da alegria, na taça celebrante da
vida. A presença na ausência do olhar a
faz rodopiar com os braços abertos, indagando no eterno monólogo ‘Qual o chão
que o recebeu, combatente valente? Não
me consola a narrativa do Governo me querendo convencer que você, meu filho,
caiu no palco da batalha como herói, defendendo a Pátria. Meu Eduardo conheceu
o caos, o horror da guerra da pior maneira. Tão, tão jovem partiu na ilusão da propaganda política, na euforia,
como se o seu fusível fosse o controle do seu Playstation, num jogo de” war
games”. Sentindo-se herói desligaria a televisão, tomaria um suco e me
encontraria no corredor lhe dizendo ‘
filho, já é tarde, amanhã tem aula.
A
realidade nua e crua desfez a festa da vitória, no olhar opaco e melancólico
daquele capitão com um pacote no braço e uma medalha nas mãos. Não era um faz
de contas.
Pelo
caminho das flores ela foi tecendo novas tramas de uma vida não experimentada, do luto
que não sabia viver.
Seu café da manhã contemplando o nascer do Sol
não mais se reveste da dúvida, mas da certeza de que estará só no hoje, e no
amanhã.
Não desmanchou o seu quarto; ainda sente o
cheiro nas roupas. Não do perfume que usava. Acho que era “Animale”, mas a
essência do corpo, da alma, da memória de quem foi.
Aquela mulher, hoje, já clareia a cor dos
seus vestidos, coloca cor na palidez do
rosto, no cinza da olheira que a dor tinge. Cabelos alinhados, passos rápidos, entra e sai do quarto do Eduardo por motivos banais.
Se arvora neste pedaço sagrado da casa, que é a sua Catedral, onde se sente
forte e plena diante dos pilares desafiantes e desafiados.
Olynda Bassan
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